Estudos Interartes

Apresentação:

A leitura crítica de certos objectos artísticos, como os filmes, põe frequentemente em prática ferramentas e saberes oriundos de diferentes áreas disciplinares. Neles, conciliam-se textos (muitas vezes, de cariz poético e literário), imagens, fotografias, pinturas, sons, músicas, palavras, corpos parados ou em movimento, etc. Com razão, o realizador português Manoel de Oliveira dizia que «o cinema é a síntese de todas as artes», não só porque o cinema “aprendeu” com elas, mas porque as usa enquanto seus elementos constituintes. De facto, o cinema apresenta-se como um campo eminentemente interdisciplinar e interartístico, havendo filmes que acentuam ainda mais essa dimensão ao exporem as outras artes enquanto tema central. São filmes que procuram reflectir sobre o que aproxima (ou distancia) as várias artes e sobre se o cinema pode ou não apropriar-se delas para renová-las e renovar-se.

Para além disso, também as artes ditas tradicionais, como a pintura ou a literatura, se contaminam mutuamente, se “disfarçam” ou “falam” umas das outras. É assim desde a Antiguidade. E, hoje, por vezes, “falam” também de cinema.  

A proposta desta disciplina é a de pensar as várias artes em conjunto. Relacionando-se o cinema com a literatura ou a pintura com a poesia descobrem-se fontes, modelos e influências e abrem-se novas e amplas hipóteses de indagação. 

Procurar-se-á discutir e analisar criticamente vários objectos fílmicos, literários e pictóricos, que entre si comuniquem formal ou tematicamente e que instiguem a transpor fronteiras entre várias áreas artísticas e vários campos de estudo. Privilegiar-se-á sobretudo uma abordagem interpretativa que convide à participação e ao diálogo em aula, sem que, porém, seja negligenciada a exposição de alguns conceitos teóricos pertinentes.

Objectivos gerais: 

- Comparar as várias artes e explorar as potencialidades resultantes da sua contaminação mútua. 

- Conhecer e analisar criticamente objectos artísticos de diferentes proveniências temporais, geográficas e disciplinares, estabelecendo entre eles relações de proximidade temática ou formal.

- Adquirir conhecimentos teóricos e desenvolver competências analíticas, problematizando conceitos dos Estudos Interartes e de outros domínios do saber.

Objectivos específicos: 

- Conhecer a origem da “iluminação mútua das artes” e dos Estudos Interartes enquanto disciplina.

- Compreender conceitos da Estética, da Filosofia e dos Estudos Interartes e trabalhá-los ao analisar vários objectos artísticos e interartísticos. 

- Interpretar objectos fílmicos, literários e musicais que potenciem uma reflexão interartística e interdisciplinar e que permitam estabelecer entre eles pontos de contacto, de modo a que se identifiquem possíveis fontes, modelos e influências e novas hipóteses de indagação.

- Problematizar as fronteiras entre as várias artes a partir do visionamento e discussão de filmes e da leitura e discussão de textos paradigmáticos.

Conteúdos Programáticos 2024/2025

1.º Trimestre 

1. Os Estudos Interartes: uma introdução (2 sessões)

- As relações entre as artes ao longo da história. Da poiésis grega à Gesamtkunstwerk wagneriana. Das vanguardas do início do séc. XX à arte contemporânea. Uma exposição breve.

- Origem e pertinência dos Estudos Interartes. Dos Estudos Literários à Literatura Comparada e das Artes Comparadas aos Estudos Interartes e Intermédia. 

- Problematização dos termos “arte”, “artes” e “Interartes”. A iluminação mútua das artes, a intertextualidade, as Interartes e a intermedialidade. 

2. Auto-reflexividade nas artes (2 sessões)

- O efeito de mise en abyme e as reflexões meta-artísticas.

- O teatro no teatro e a literatura na literatura: de Shakespeare a Italo Calvino. 

- O cinema no cinema: os filmes de João César Monteiro.

3. As outras artes no cinema: escrita e cinema (6 sessões)

- O romance, a poesia e a escrita no cinema. Relações entre literatura e cinema: a caméra-stylo, o “cinema de poesia” e outros conceitos. A adaptação e a recriação do romance em filme. A escrita enquanto elemento diegético e meta-fílmico e o cinema enquanto processo de escrita. Visionamento e discussão da curta-metragem Sophia de Mello Breyner Andresen (João César Monteiro, 1969) e de excertos das longas-metragens Rebecca (Alfred Hitchcock, 1940), The Reckless Moment (Max Ophüls, 1949), Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966) e Filme do Desassossego (João Botelho, 2010).

4. As outras artes no cinema: pintura e cinema (3 sessões)

- Relações entre pintura e cinema: a pintura no cinema e o cinema enquanto pintura. Visionamento e discussão de excertos das curtas-metragens Van Gogh (1948), Gaugin (1949) e Guernica (1951) de Alain Resnais e dos filmes O Pintor e a Cidade (1956), As Pinturas do meu Irmão Júlio (1965), Amor de Perdição (1975) e Painéis de São Vicente (2010) de Manoel de Oliveira.

2.º Trimestre

5. As outras artes no cinema: teatro, ópera e cinema (3 sessões)

- Relações entre teatro e cinema. O teatro filmado e os filmes-teatro. Visionamento e discussão de excertos de algumas longas-metragens de Manoel de Oliveira: Acto da Primavera (1963), O Passado e o Presente (1972), Benilde ou a Virgem Mãe (1975), Le Soulier de Satin (1985), Mon Cas (1986) e O Gebo e a Sombra (2012). 

- Relações entre ópera e cinema. A ópera filmada e os filmes-ópera. Visionamento e discussão de excertos dos filmes A Flauta Mágica (Ingmar Bergman, 1975) e Os Canibais (Manoel de Oliveira, 1988).

6. As outras artes no cinema: fotografia e cinema (3 sessões)

- Relações entre fotografia e cinema. A fotografia no cinema e o cinema enquanto fotografia. O fotograma, o movimento e a imagem fixa no cinema. Visionamento e discussão de excertos dos filmes La Macchina Ammazzacattivi (Roberto Rossellini 1952), La Jetée (Chris Marker, 1962), Blow Up (Michelangelo Antonioni, 1966), Branca de Neve (João César Monteiro, 2000) e O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira, 2012).

7. As outras artes na literatura (10 sessões)

- A símile horaciana Ut pictura poesis.

- A noção de ekphrasis e a palavra que faz ver. Análise de “O escudo de Aquiles” (Ilíada, Homero) e de “As tapeçarias de Minerva e Aracne” (Metamorfoses, Ovídio).

- A pintura na literatura. Discussão e leitura (parcial) de Contos Orientais (Marguerite Yourcenar, 1963).

- O romance como oficina interartística: Finisterra (Carlos de Oliveira, 1978).

- Pensar o cinema pela poesia: Sophia de Mello Breyner Andresen, Carlos de Oliveira e Herberto Helder.

3.º Trimestre

8. Fontes, modelos e influências: o leitmotiv da “obra de arte viva” (11 sessões)

- Pensar ontologicamente a arte: Platão e a imagem; Kant e a estética desinteressada; Nietzsche e a estética de artista; Vernant e o eidolon arcaico.

- Leitura e discussão de “Pigmaleão e Galateia” (Ovídeo, Metamorfoses).

- “Pigmaleão e Galateia” na literatura, na pintura e na escultura.

- Figuras prometeicas: da mitologia grega a Frankenstein (1818) e do romance de Mary Shelley à longa-metragem Blade Runner (Ridley Scott, 1982).

- A “obra de arte viva” na obra fílmica de Manoel de Oliveira.

Prof. Pedro Camacho Costa

Pedro Camacho Costa é licenciado em Artes e Culturas Comparadas e mestre em Estudos Comparatistas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Actualmente, encontra-se a concluir a tese de doutoramento em Artes Performativas e da Imagem em Movimento, pela Universidade de Lisboa, tendo sido bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia entre 2019 e 2023. Como investigador nas áreas dos Estudos Fílmicos e dos Estudos Interartes tem publicado artigos em revistas científicas e participado como conferencista em encontros académicos, sendo ainda membro em formação do Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa (CEComp), onde colabora com o grupo de pesquisa “Cinema, Audiovisual e Imaginários Contemporâneos” (CITCOM).